segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Nikolai


Nikolai, ao pegar a chave do quarto, percebeu que estava no ponto em que o seu corpo já não ia mais resistir ao cansaço. Precisava, todos os seu músculos exigiam, descansar. Talvez ainda resistisse a um banho. Uma refeição, nem pensar. Era melhor dormir logo de uma vez.

Decididamente, o hotel era uma espelunca. Olhou para o chaveiro. A chave era idêntica a essas de abrir lata de kitut. Uma argola a prendia a um pequeno pedaço de madeira, com o número do quarto: 109. Menos mal, ficaria no andar superior, provavelmente mais silencioso.

Subiu as escadas. Sua única bagagem era uma pequena sacola de mão. Era o último quarto do corredor, à esquerda. Girou a chave, que não lhe inspirava confiança alguma, na fechadura e abriu a porta.

Ao entrar, olhou detida e demoradamente o quarto. Apesar da miserabilidade do lugar, estava tudo arrumado. O cheiro de mofo misturava-se ao de algum spray aromático. Não tinha janela. Apenas um pequeno basculhante de ferro, com três vidros, estando um deles quebrado. Finalmente, fechou a porta atrás de si, a única do quarto, pois o banheiro era coletivo. Pode então observar que colado atrás da porta estava um espelho. Era o resto do que um dia fora um espelho retangular, verticalmente disposto. Restava a maior parte dele. Um dos cantos não estava lá. Quebrara-se deixando a marca de sua existência numa diagonal semi-circular.

Nem banho, nem refeição. Deitou-se. Adormeceu.

A claridade que entrava pelo pequeno basculhante tomou-o de sobressalto. Não sabia exatamente que horas seriam, mas parecia ser cedo. Levantou-se e foi ao banheiro para finalmente tomar um banho. O lugar não parecia estar movimentado e demorou-se bastante deixando a água do chuveiro escorrer pelo corpo, enquanto cobria o rosto com as mãos e pensava. O espelho do banheiro, apesar de manchado, estava inteiro. Precisava barbear-se. Tinha esquecido no quarto, na bagagem, seu pequeno barbeador elétrico sem fio e o spray de espuma.

Voltou ao quarto. Ao abrir a porta, sentiu que ela esbarrava em algo. Tentou novamente, dessa vez abriu normal e tomou um susto. Tinha alguém atrás da porta. Estava usando o espelho, espuma na cara, barbeador elétrico na mão. Pensou que tinha entrado no quarto errado, mas o número estava correto, era o 109. Olhou para o outro homem sem entender. De imediato olhou para sua pequena bagagem sobre a cama. Estava aberta.

- Esse é o meu barbeador? Minha espuma?

- Olha, eu estava precisando me barbear e pensei que você não se importaria em me emprestar um pouco de espuma e o seu barbeador...

Afastou-se um pouco, sentiu o ódio esquentando o sangue em suas veias. Deu, então, um único soco no rosto do desconhecido. A força vinda da loucura ou da raiva momentânea superando a que normalmente teria. O desconhecido bate a cabeça no espelho da porta. Mais um pedaço que se quebra. Cai no chão, inerte, desmaiado, talvez morto. Uma pequena marca de sangue na porta. Sangue em sua mão. Viu que tinha cortado um dedo, provavelmente batera nos dentes do desconhecido.

Enrolou a mão com uma camisa e desceu. Pagou a conta e saiu.

Um comentário:

Raíssa N. disse...

me lembrei um pouco de um jogo de suspense chamado hotel dusk.
caramba, você escreve tão bem! Sem falar que eu adoro essa coisa de retomada de algo que já foi dito antes. Como o espelho. Algo simples que acaba ganhando uma enorme importância no conjunto todo.
E assistir a o processo de criação foi sensacional! Não é puxando o saco não, mas você além de escrever super bem, fica lindo enquanto o está fazendo.
A escolha do nome ficou ótima também. Nikolai é um nome forte.
O final é bem impactante...uma navalha mesmo. Não esperava que fosse terminar assim. Adorei.
Ainda bem que você te um blog pra postar essas jóias de vez em quando ;)

Te amo! =*